Salmão: Fresco ou Congelado?

Salmão: Fresco ou Congelado?

Expert FishCode: Fábio Sussel

O custo extra com frete e a verdadeira qualidade do salmão fresco!

É grande o mito envolvendo peixe e camarão congelado. Via de regra, pescado congelado é sinônimo de produto velho. Lamentavelmente algumas práticas do varejo (congelar pra não estragar) de fato remetem a este tipo de entendimento. No entanto, o congelamento quando aplicado da forma correta e, principalmente, no momento certo (enquanto o pescado encontra-se fresco) é a melhor forma de conservação de produtos cárneos. Ponto final.

Mas e a tal da formação de micro cristais dentro da célula que, ao descongelar, podem perfurar a membrana celular, incorrendo em perdas de líquidos (exsudação), é verdade? Sim, é verdade! Em maior ou menor escala isto acontece. No entanto, existem estratégias (ultracongelamento) para mitigar isto e, mesmo que a exsudação aconteça em maior escala, eventuais prejuízos a qualidade da carne são menores aos prejuízos envolvendo reações químico-enzimáticas e proliferação bacteriana que, de forma inegociável, ocorrem em temperaturas positivas. Enquanto que temperaturas negativas, cessam estas reações. 

Como o salmão é enviado para o Brasil?

O Brasil importa tanto salmão congelado quanto fresco. Enquanto 100% do salmão selvagem chega ao mercado brasileiro congelado, em torno de 90% do salmão cultivado chega como fresco no gelo. Uma pequena quantidade de salmão cultivado, da espécie conhecida como Coho, vem congelado para atender a demandas do varejo. O maior volume, disparado, é de salmão cultivado fresco no gelo.

Da mesma forma que existe o mito que pescado congelado é pescado velho, também existe o mito que não se deve congelar salmão que se encontra “fresco” ou que salmão congelado perde qualidade. Será mesmo? Do ponto de vista técnico e prático, isto faz sentido ou é muito mais opinião de consumidor? 

Acompanhe comigo alguns levantamentos que fiz junto a grandes importadores de salmão aqui no Brasil, bem como algumas questões técnicas envolvidas no transporte “fresco no gelo” relacionados ao salmão. 

  1. Há consumidores que preferem o salmão selvagem que, por sinal, se apresentam com preços mais elevados que o salmão fresco/cultivado. Não há relatos questionando a qualidade deste produto pelo fato de estar congelado. Pelo contrário, pois, é considerado um salmão premium.
  2. Brasil é o terceiro maior comprador de salmão do Chile, estando atrás do Japão (2°) e EUA (1°). No caso do Japão, desnecessário comentar sobre quão exigente é este mercado, 100% do salmão chileno enviado na forma de congelado!
  3. A verdade sobre o transporte terrestre de salmão cultivado no Chile para o Brasil:

Sobre o item 3, a conversa é extensa, mas vale a pena cada detalhe deste processo complexo e extremamente estudado que é a cadeia do frio envolvendo o transporte do salmão do Chile para o Brasil.

Vamos lá. O salmão é despachado praticamente no mesmo dia em que é despescado, abatido e processado. O peixe é resfriado a 0°C e acomodado em caixas de isopor contendo em média 24 kg de salmão e 8 kg de gelo (32 kg cada caixa). Note que 25% do volume total é de gelo. 

Figura 1. Caixa de isopor contendo, em média, 24 kg de salmão e 8 kg de gelo.

As caixas de isopor são então transferidas para o caminhão. O sistema de refrigeração das carretas é programado, via de regra, para manter a temperatura entre -12°C a -14°C. Obviamente que esta temperatura não chega no peixe, já que o mesmo se encontra dentro da caixa de isopor. O transporte terrestre do Chile para o Brasil leva entre 8 a 10 dias (varia conforme as condições climáticas). 

A temperatura interna destas caixas fica estratificada/dividida em 4 níveis, conforme a posição da caixa na carreta, sendo que:

  1. As caixas estivadas no alto da carreta, viajam em temperaturas que variam de -1°C a -3°C. Tecnicamente, conforme entendimento da legislação brasileira, este produto é classificado como “fresco cristalizado”. Apesar de estar em temperatura negativa, não cabe classificá-lo como congelado. 
  2. As caixas do meio da carga, se mantém com temperatura que variam entre 0°C a 3°C. Indiscutivelmente, fresco!
  3. As caixas junto ao piso apresentam duas faixas de temperatura distintas:

C1) Aquelas caixas que se encontram sobre os rodados (pneus) da carreta, oscilam a temperatura entre 1 a 5°C.

C2) As demais caixas sobre o piso, temperaturas entre 1 a 3°C.

 

 Figura 2. Carreta com capacidade para 24 toneladas e área do rodado dos pneus em destaque.

Em resumo, uma parte viaja em temperaturas negativas e outra parte em temperaturas positivas. Cabe destacar que temperaturas negativas praticamente cessam reações químico-enzimáticas a nível celular e a proliferação bacteriana. Temperaturas positivas implicam em algum nível destas reações, sendo que quanto mais longe de zero mais rápidas são. 

As caixas que viajam sobre os rodados do caminhão, chegam com gelo derretido. Isto compromete bastante a qualidade do produto. O tratamento adequado é abrir todas estas caixas, drenar a água e colocar novo gelo.

Se fosse possível escolher, qual você escolheria, Salmão fresco ou congelado?

Um salmão que viajou por 10 dias na parte de cima da carreta a -3°C ou aquele viajou sobre o rodado a +5°C? Se você consome salmão com frequência e preza pela máxima qualidade, muito provavelmente já provou dos dois. Será que na prática é possível identificar qual viajou como fresco cristalizado e qual viajou fresco? Cabe destacar que o transporte é apenas uma das etapas da cadeia do frio, já que as estratégias de conservação do pescado nos estabelecimentos são tão importantes quanto.

Outro aspecto importante é o prazo de validade. São 21 dias a partir da data de saída do Chile. Destes, 10 dias ficam na estrada. Será que no seu vigésimo primeiro dia um salmão mantido em temperaturas positivas vai ter a mesma qualidade do dia que chegou? Restaurantes que fornecem pratos requintados a base de salmão, não podem deixar faltar esta iguaria no estoque. Mas quando chega um pedido novo e ainda tem salmão em estoque, qual vai ser servido primeiro?

Pescado congelado, o verdadeiro pescado fresco!

Especialmente quando aplicada a tecnologia correta, no caso o ultracongelamento, e no momento certo, ou seja, enquanto o produto ainda se encontra com seu máximo frescor. E se todo o salmão fosse congelado e viajasse em temperatura negativa (no caso, -18°C), será que haveria diferença para o paladar dos consumidores? Se sim, pra melhor ou pior? Do ponto de vista logístico, de segurança alimentar do produto e de custos, não há dúvidas que seria melhor.

Voltando ao exemplo do Japão, que recebe salmão chileno 100% congelado, consultei o Chef Sushiman Fernando Koike, da Montoza Pescados, que já trabalhou como Sushiman no Japão. “_ O salmão congelado é usado normalmente tanto para sashimi quanto em sushis. No início havia certa resistência ao salmão em si, hoje estão consumindo cada vez mais”.

Constata-se, portanto, que isto é uma questão de demandas de mercado imposta pelos consumidores e não pela indústria. Portanto, depende de uma mudança de postura de quem compra/consome e não de quem vende.

Quanto pagamos no gelo que vem do Chile?

Apreciar um salmão de qualidade, não tem preço! Será? Primeiro que não existe evidências praticas relacionadas a melhor qualidade pelo fato do salmão não ter sido congelado. Em se tratando de 21 dias de conservação, não. Existiria sim diferenças comparar um salmão fresco recém abatido com um salmão congelado! Mas, considerando que o primeiro caso não é realidade, temos que olhar para o cenário como um todo. Segundo que neste caso em particular o preço do frete embutido no gelo que trazemos no Chile, pode sim fazer diferença considerável no preço final do produto. 

Vamos as contas:

_ Preço médio do frete carreta com 24 toneladas de peso bruto: U$ 8.000;

_ Cotação média do Dólar jan. a out. de 2024: R$ 5,52;

_ Valor do frete em Reais: U$ 8.000 x R$ 5,52 = R$ 44.174,00 (R$ 1.840,00 por tonelada);

_ Sendo 25% de gelo: R$ 44.174,00 X 25% = R$ 11.043,50 é o valor que pegamos pelo gelo que vem do Chile por carreta!

De acordo com informações do Serviço Nacional de Alfândegas do Chile, nos sete primeiros meses de 2024 o Chile enviou 86.074 toneladas de salmão para o Brasil. Este montante, precisou vir acompanhado de gelo que, no caso, representa 25% desta quantia. Então temos 21.518 toneladas de gelo. Ao multiplicar esta quantidade de gelo pelo valor do frete, R$ 1.840,00/T., vai dar R$ 39.593.000. Isto mesmo, quase 40 milhões de Reais é o valor gasto com gelo nos sete primeiros meses de 2024.

Salmão com cheiro de melancia?

Pra finalizar uma dica preciosa e ao mesmo tempo extremamente curiosa. Coisa que eu só tinha visto em literatura, mas nunca tinha presenciado. Ao visitar um grande importador e inspecionar uma carga recém-chegada, tive a oportunidade de presenciar: salmão verdadeiramente fresco tem cheiro de melancia. Mas não é carne em si que cheira melancia e sim a parte de dentro da barriga. Então, quando tiver a oportunidade de se deparar com um salmão inteiro, tente cheirar a parte interna da barriga. Se estiver com cheiro forte de peixe, fuja dele! Pra ser verdadeiramente fresco, tem que cheirar a melancia!

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